Parecer Técnico



“A brincar também se aprende” é mais do que um chavão ou frase feita: é um facto amplamente suportado no domínio da Psicologia, seja ela ela do Desenvolvimento, Educacional, ou Cognitiva. Na verdade, o brincar, o jogar é um elemento indispensável quer na evolução da inteligência, quer na aquisição de competências (sociais, emocionais, linguísticas). 


 Role Playing Games (RPG), em português traduzido como Jogos de Interpretação de Papéis (e.g., Sousa, 2020) é um termo que enquadra uma variedade de jogos nos quais os participantes criam ou adoptam uma personagem e com ela progridem num mundo virtual, obedecendo a um conjunto de regras e em interacção com outros jogadores. 


 No que é pertinente aos jogos aqui apresentados, importa salientar que os RPG são uma história contada colectivamente, na qual um “narrador” (geralmente o jogador mais experiente) estabelece o contexto, isto é, o mundo virtual onde a acção decorre, e os restantes participantes decidem as acções a tomar para resolver problemas e arranjar soluções, com o intuito de alcançar um objectivo (Hawkes-Robinson, 2011). Para tal os jogadores têm não só de se inteirar sobre as suas personagens - conhecer a sua história pessoal, características, fraquezas e forças - como também de trabalhar colectivamente, de forma sustentada e planeada, colaborando e negociando uns com os outros. 


 Este encarnar de uma diferente personagem não é um conceito tão distante, nem tão circunscrito ao domínio dos jogos, como à partida se poderia pensar. Bem pelo contrário: é uma atividade tão comum, que em larga medida a realizamos de forma automática. De facto, todos nós desempenhamos diferentes papéis na nossa vida diária: pai, filho, irmão, amigo, chefe, etc, e esta é uma premissa extensamente estudada através da lente da chamada "Role Theory” (Teoria dos Papéis Sociais), a qual sustenta que o nosso comportamento depende do contexto social no qual nos movimentamos, e que obedece a um conjunto de expectativas socialmente pré-estabelecidas, quer em relação a nós mesmos, quer dos membros do grupo em relação ao próprio sujeito (Biddle, 1986). 


 O acto de jogar RPG, que consiste precisamente no desempenhar de um papel num contexto claramente delimitado por um conjunto complexo de regras, traz esta atividade para o domínio do consciente e disso advêm várias vantagens (Bowman, 2010). O ter de construir e adotar uma personagem e através dela interagir com outros jogadores não só oferece a oportunidade de desenvolver competências interpessoais (da comunicação à empatia), como encoraja as pessoas a considerar novas perspectivas e a voltar da experiência com uma maior consciência da sua própria identidade, do seu próprio eu. 


 O jogador não é um consumidor passivo que se limita a “vestir” a personagem; há, sim, uma interação entre o ser fictício e a pessoa real, onde a personagem se torna o avatar no qual o jogador projeta os seus próprios sonhos, esperanças, ambições (Gee, 2003). É, afinal, na situação imaginada que começam a tomar forma os planos para a vida (Vygotsky, 1978). 


 E os RPG podem ajudar a desenvolver uma série de competências hoje em dia necessárias para ingressar no mercado de trabalho e ser profissionalmente bem sucedido: capacidades a nível da facilidade de comunicação, resolução de problemas, tomada de decisão, trabalho de equipa (bem como um conjunto de competências complementares como pensamento crítico e analítico, planeamento e organização, auto-gestão, criatividade e imaginação, aprendizagem contínua) tornaram-se transversais não só às várias indústrias, como aos diferentes escalões dentro de cada indústria (Suarta, Suwintana, Sudhana, & Hariyanti, 2017). 


 Por fim, uma palavra para mencionar como os RPG podem ser benéficos para crianças e jovens com PHDA (Perturbação de Déficit de Atenção e Hiperatividade) ou Autismo. 


 Este tipo de jogos exigem atenção continuada aos detalhes do enredo e às ações dos outros jogadores, reflexão antecipada sobre as consequências das jogadas, e o desenvolvimento de estratégias para progredir no jogo. Estes requisitos podem ajudar a melhorar a atenção e a concentração, a gestão de impulsos, a capacidade de organização e de planeamento nas pessoas com PHDA. 


 No que se refere ao Autismo, os RPG oferecem um ambiente estruturado e com regras claras, onde pessoas que frequentemente preferem rotinas e previsibilidade podem desenvolver e praticar competências de interação social e de comunicação. Participar neste tipo de jogos pode ajudar a aprender a lidar com mudanças e incertezas de maneira controlada e segura​​. 


 Em conclusão, os RPG são mais do que uma forma de entretenimento, podem ser uma ferramenta educacional útil, de desenvolvimento de capacidades cognitivas e sociais, competências fundamentais nas diversas dimensões da vida, sejam elas da esfera pessoal, profissional, ou como cidadãos de um mundo cada vez mais global.



 Professora Dra. Sofia Moita Neto